Decidi falar de Lêdo Ivo
como manifestação cultural de Maceió, naturalmente por ele ser filho dessa
terra e pela sua contribuição na cultura de Maceió. Sendo Lêdo Ivo uma pessoa,
possivelmente não se enquadraria como manifestação cultural no que se
compreende tradicionalmente como manifestação cultural, ou seja, folclore,
festas, ritos religiosos, etc. No entanto, considero-o como manifestação
cultural pela sua produção literária e ampliação da cultura brasileira, visto
que a literatura é uma forma de expressão artística que para muitos se
desprende de quaisquer amarras mercadológica, doutrinárias ou diretrizante. É o
caso de Lêdo Ivo, onde podemos vislumbrar essas características em toda sua
obra, como em: “O canário azul”. Nessa obra ele esmiuça a sociedade brasileira
e suas relações utilizando-se de da fábula. Maestrosamente também desmascara a
sociedade maceioense com a obra ninho de cobras.
Diferentemente dos compêndios de literatura
não farei citações ou análises de suas obras. Falarei um pouco sobre sua vida e
obra.
Lêdo Ivo Nasceu em Alagoas,
no município de Maceió em 18 de fevereiro de 1924. É filho de Floriano Ivo e de Eurídice Plácido de Araújo
Ivo. Casado com Maria Lêda Sarmento de Medeiros Ivo, com sua companheira tem três
filhos: Patrícia, Maria da Graça e Gonçalo. Era formado em jornalismo e
direito, e também era tradutor. Foi um
dos colaboradores da poesia do pós-modernismo fazendo parte de um grupo seleto
de artistas como João Cabral de Melo Neto, Domingos Carvalho da Silva, entre outros
da conhecida Geração de 1945.
Estudou
no Colégio Americano Batista, no Grupo Escolar D. Pedro II e no Colégio
Diocesano de Alagoas. Transferindo-se para o Recife em 1940, estudou no
Instituto Carneiro Leão e passou a colaborar na imprensa local e a conviver com
um grupo literário de que fazia parte Willy Lewin, o qual haveria de exercer
grande influência em sua formação cultural. Dedicou-se à vida literária,
participando do I Congresso de Poesia do Recife em 1941. De volta a Maceió,
concluiu o curso complementar no Liceu Alagoano. Em 1943, transferiu-se para o
Rio de Janeiro, onde se matriculou na Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil e passou a colaborar em suplementos literários e a
trabalhar na imprensa carioca, como jornalista profissional. Foi redator da
Tribuna da Imprensa e da revista Manchete, colaborador de O Estado de São Paulo
e editorialista do Correio da Manhã.
No início de 1953, foi morar em Paris. Visitou
vários países da Europa e, em agosto de 1954, retornou ao Brasil, voltando às atividades
literárias e jornalísticas. Em 1963, a convite do governo norte-americano,
realizou uma viagem de dois meses (novembro e dezembro) pelos Estados Unidos,
pronunciando palestras em universidades e conhecendo escritores e artistas.
Nessa
viagem escreveu esse poema que podemos ver a seguir:
O PASSRINHO MORTO
A santidade do mundo me aparece
sob a forma assustada de um esquilo
que me contempla entre arbustos.
Devo esta aparição ao deus que me criou
e me faz notar o miúdo e o insólito.
A poeira na asa da borboleta
E a chuva radiosa.
Abaixo-me e agarro o passarinho morto
que nem a neve soube guardar.
Por que o mataste, ó deus do frio
que, na noite de Nova Iorque, une a
homem e mulher.
Como uma formiga, espero que o comboio
passe
para atravessar
E, cristaleiro, amo o que o tempo fez
sem que fosse preciso ferir ou insultar:
vaga na prancha podre de um navio
ou o fulgir de um diamante.
A essa forma de perfeição, luminosa e
fria,
é que aspiro às vezes quando, no banco
de um parque,
vejo o passarinho morto
ou, homem, sou o esquilo que os esquilos
vêm olhar com surpresa.
Aos céus que guardam o granizo e a
saraiva,
peço isenção de selo funerário.
Mas como esse deus mouco me ouviria?
Com seus olhos vazados, de que modo
me enxergaria? E as folhas caem,
desbotadas, e o outono
é vento e podridão.
Um dos seus principais
poemas é:
Queimada
Queime tudo o que puder:
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos: more num
covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas
inacabados,os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.
No
livro Acontecimento do Soneto. Ode à noite escreve o seguinte soneto:
SONETO DAS ALTURAS
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar não deságua, nem no rio.
Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e fio,
e novamente ardente é no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.
Meu corpo anda quer, mas a minh´alma
em fogos de amplidão deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.
E embora nada atinja, não se acalma,
e sendo alma, transpõe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefável e não o vento.
Lêdo
Ivo também foi membro da academia brasileira de Letras eleito em 13 de novembro de 1986 para a cadeira 10,
sucedendo a Orígenes Lessa.
Em
um de seus discursos Lêdo vomita suas palavras em um de seus desafetos, Eduardo
Portela. Acompanhemos parte desse
discurso:
“Nesta Academia, como em todas as
corporações que se regem pelas normas da civilização, da boa educação, da
polidez e da conviviabilidade, o silêncio do auditório, durante a fala de um
dos seus integrantes, é um princípio pétreo.
Esse princípio, Sr. Presidente, foi
vulnerado quinta-feira última, quando eu estava falando sobre Gonçalves de
Magalhães.
Durante 25 minutos, este auditório
ouviu, ininterruptamente, ganidos, gemidos, vagidos, coaxos, grasnidos, uivos,
ladridos, miados, pipilos e arrulhos intoleráveis, senão obscenos, de um
macilento boquirroto ostensivamente deliberado a tisnar e perturbar a minha exposição.”
No livro Minha Pátria Úmida escreveu o seguinte poema:
O LADRÃO
QUANDO deixei Maceió,
fechei a porta do mar
E enxotei os navios que
insistiam em seguir-me.
Tive de aninhar o vento
nos corredores
Das casas brancas que
guardam lacraias.
Mas o mar me acompanhou
até nos sonhos,
Igual ao sol azul que
sustenta o mormaço.
O vento veio voando e era
um bando de pássaros.
A chuva da minha infância
continua caindo
Com o seu séquito de
tanajuras e caranguejos.
Até as dunas caminham ao
meu encontro
E me rodeiam, exigindo
que eu devolva
A chave de areia e o
oceano roubado.
ELEGIA
(En memoria de Lêdo Ivo)
Poema de Márcio Catunda
Temo las noticias
trágicas de las madrugadas.
El viejo bardo fue
golpeado por la muerte.
Padecí angustiante
insomnio.
Necesito subir a un
mirador
donde aparezca el
horizonte abierto.
criaturas preponderantes.
Es necesario aprovechar
cada minuto que nos
ofrece el Sol.
Un muerto es victima
de los que se libran del
cadáver.
Un poema es una aventura
osada
que quien partió de este
mundo ya no disfrutará.
El cedro inclinado sobre
el río
se levanta hacia lo alto
y sobrevive al hombre.
Ha muerto el cantor
triunfal
de la efemérides insólitas.
Viajó con el vicio de la
poesía en el alma
y con la ilusión de su
último vuelo transatlántico.
El día entero fui
perseguido por el pesar.
Medito junto al agua
después del la noche
inesperada.
El escaparate del día
esconde el misterio
y el tiempo derramará
sobre mí
su efecto anestésico.
Es el vértigo de lo
irremediable
en contra del perfume
cristalino del día.
La muerte evapora al que
existió
en el azul del
firmamento.
En el eterno lamento del
tiempo
yace el esplendor de la
nada.
La claridad no me hace
olvidar
la ceniza de su partida.
Su poema premonitorio
resuena en mí,
residuo de un sueño,
Misterio de un desierto
donde la busca no es más
que la procura.
23/12/2012
“Deus, deuses, com seus lábios de poeira;
os mortos todos riem a morte interira.
Obras:
As imaginações, poesia
(1944); Ode e elegia, poesia (1945); As alianças, romance (1947); Acontecimento
do soneto, poesia (1948); O caminho sem aventura, romance (1948); Ode ao
crepúsculo, poesia (1948); Cântico, poesia (1949); Linguagem, poesia (1951);
Lição de Mário de Andrade, ensaio (1951); Ode equatorial, poesia (1951); Um
brasileiro em Paris e O rei da Europa, poesia (1955); O preto no branco, ensaio
(1955): A cidade e os dias, crônicas (1957); Magias (contendo: Os amantes
sonoros), poesia (1960); O girassol às avessas, ensaio (1960); Use a passagem
subterrânea, contos (1961); Paraísos de papel, ensaio (1961); Uma lira dos
vinte anos, reunião de obras poéticas anteriores (1962); Ladrão de flor, ensaio
(1963); O universo poético de Raul Pompéia, ensaio (1963); O sobrinho do
general, romance (1964); Estação central, poesia (1964); Poesia observada,
ensaios (1967); Finisterra, poesia (1972); Modernismo e modernidade, ensaio
(1972); Ninho de cobras, romance (1973); O sinal semafórico, reunião de sua
obra poética, desde As imaginações até Estação central (1974); Teoria e
celebração, ensaio (1976); Alagoas, ensaio (1976); Confissões de um poeta,
autobiografia (1979); O soldado raso, poesia (1980); A ética da aventura,
ensaio (1982) A noite misteriosa, poesia (1982); A morte do Brasil, romance
(1984); Calabar, poesia (1985); Mar oceano, poesia (1987); Crepúsculo civil,
poesia (1990); O aluno relapso, autobiografia (1991); A república das
desilusões, ensaios (1995); Curral de peixe, poesia (1995).
Links de vídeos sobre
Lêdo Ivo:
https://www.youtube.com/watch?v=dV_SqdU7sPY
Nenhum comentário:
Postar um comentário